
Registos do Santo Cristo em destaque na Feira Internacional de Lisboa - FIA
REGISTOS DO SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES é das expressões máximas da ligação dos micaelenses à sua resiliência, fé e história. É o consolidar de cerca de 500 anos de açorianidade e luta contra todos os elementos.
O achamento oficial dos Açores data de 1427, designadamente o grupo oriental, sendo a primeira ilha a de Santa Maria e logo depois a ilha de São Miguel. A localização deste arquipélago a Norte do Atlântico foi desde logo encarado como um ponto fundamental para um Reino em franca expansão. Havia a necessidade de trazer população para ilhas cobertas de mato, assoladas por tempestades, vulcanismo ativo e terramotos, mas com uma localização estratégica para a navegação no Atlântico que atinge o seu auge com a chegada ao Brasil e com a descoberta do caminho marítimo para a Índia a partir de 1500.
Desde cedo, na ilha de São Miguel, e pela proteção natural do ilhéu, foi Vila Franca do Campo que se tornou o maior aglomerado da ilha e aí surge naturalmente o primeiro convento feminino, no Vale de Cabaços, na Caloura, fruto da vontade das irmãs que lá se juntaram de ir ao Vaticano pedir que fosse atribuída a Bula Apostólica Papal, de forma a que o convento fosse reconhecido por todos como tal. Assim foram e assim foi, e aqui começa a verdadeira história.
A Bula foi concedida e, como recordação, terão recebido de oferta uma imagem de madeira, um busto de Cristo, que trouxeram consigo para o Convento. Esse busto é hoje chamado de SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES. De regresso a São Miguel, e perante constantes ataques de piratas e corsários, a decisão foi tomada: metade das irmãs iriam para o Convento de Santo André, em Vila Franca do Campo, e as restantes, nomeadamente a Madre Inês de Santa Maria que ficou responsável pela Imagem do Santo Cristo, vieram para o Mosteiro da Esperança na Vila de Ponta Delgada, onde está até aos dias de hoje.
É a partir deste Santuário e convento que o SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES vai ganhando uma relevância cada vez maior e principalmente pelo papel que a devoção da Madre Teresa D’Anunciada teve enquanto intercessora no seu poder milagroso. O Senhor passou a ser coberto com capas vermelhas (a primeira, fruto de um peditório dentro do convento) de veludo ou damasco e bordadas a ouro, foi embelezado com joias, maioritariamente ofertadas e tão ricas que receberam o nome de Tesouro do Senhor Santo Cristo.
Em abril de 1700 surgiu a procissão e festas em Sua honra e até o percurso foi pensado de forma a que passasse em frente a todos os conventos e casas religiosas de Ponta Delgada. Realiza-se sempre no 5º Domingo de Pentecostes e a sua importância é tal para a principal cidade da Ilha que o seu feriado municipal ficou associado a estas festividades - o dia seguinte à procissão.
Ali, no Coro Baixo do Convento da Esperança, permanece a Imagem do Ecce Homo, todos os dias venerada por entre as grades, que apenas sai uma vez por ano, para integrar a procissão. Pelo que se sabe, a única exceção terá acontecido durante a visita do Papa São João Paulo II, entre 11 e 13 maio 1991, que rezou missa campal e ajoelhou-se a seus pés, numa imagem comovente e única de contemplação, tal como é possível ver a Madre Teresa da Anunciada na maioria dos registos.
Por outro lado, em 2020, o mundo parou devido à Pandemia Sars-Cov2, não parou a fé, não parou o sol de nascer, mas colocou todo o Mundo, até o Santo Cristo, num confinamento físico, mas não de devoção.
Ao longo dos tempos, a devoção ao SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES espalhou-se por outras ilhas, e pela diáspora para se manter sempre perto. Quem nunca deitou uma lágrima quando ouve o hino em honra do Senhor Santo Cristo dos Milagres? Quem em aflição, nunca pediu ou prometeu…? Ainda mais perto do coração é poder ter consigo aquela que é considerada a peça artesanal que mais simboliza toda esta narrativa - OS REGISTOS DO SENHOR SANTO CRISTO DOS MILAGRES.
Os Registos são a tradução para um quadro multidimensional da fé, resiliência, passado, presente e futuro do povo açoriano, mas acima de tudo de São Miguel.
Este texto começa por falar numa ilha que tinha tudo contra para ser povoada: terreno inóspito, nenhuma baía segura, vulcões, terramotos (1522 em Vila Franca do Campo) seguido de maremotos, piratas e corsários. Tudo era a Ira Divina e um pequeno grupo de irmãs que terão enfrentado tudo isso e que trouxeram para a Ilha um Cristo Salvador!
A forma como se interpreta a existência dos Registos pode ser também a forma como se sente o Registo e o Cristo! Como disse Saramago, “É preciso sair da ilha para ver a ilha!”; talvez seja preciso olhar para um Registo para SENTIR o Santo Cristo.
Os Registos são, enquanto atividade artesanal, uma composição decorativa de uma pagela ou estampa que serve como pano de fundo; nela constam a imagem do Cristo e da Madre Teresa D’Anunciada. A imagem do Senhor é “vestida” com veludo ou damasco vermelho bordado com canutilho e com galões prateados ou dourados. Da mesma forma, a réplica do altar é ricamente enfeitada com muitas flores e até alguns frutos em diversos materiais, sendo o papel de seda ou metalizado o predominante. Tudo feito à mão e montado à mão. Em cada detalhe deverá ser possível reconhecer as mãos delicadas, a sabedoria e a dedicação de quem fez cada pormenor. O bom gosto na escolha e conjugação dos materiais, as ferramentas e a dignidade dada ao Registo do Senhor Santo Cristo, pois trata-se também de uma obra de devoção de tradição secular. Os primeiros Raminhos de flores terão sido feitos nos conventos para venda, pelas irmãs com dotes mais modestos e de forma a poderem subsistir, tal como as primeiras estampas.
É muito importante referir que é impossível dissociar ou até mesmo compreender esta atividade, sem compreender a sua história e a ligação ao seu povo. O Registo do Santo Cristo está presente no mais conhecido quadro “Emigrantes”, de Domingos Rebelo (conceituado pintor micaelense), é parte integrante da economia da cidade de Ponta Delgada e dos seus emigrantes que regressam ano após ano para as Festas, da identidade da sua população e dos seus artesãos que são quem tem a responsabilidade de manter viva a tradição e passá-la à próxima geração, mantendo-a fiel e autêntica.
Esta é uma arte que está a ser preparada para certificação, no âmbito da preservação da Propriedade Intelectual, através do selo de Indicação Geográfica, através do qual se pretende exatamente salvaguardar a qualidade do Produto Artesanal, acrescentando o seu valor patrimonial e económico.